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As professoras que por mim ficaram (3 de 3)

Atualizado: 30 de out. de 2019

O Feminismo é um conceito que surgiu no século XIX e se desenvolveu como movimento filosófico, social e político.


Sua principal caraterística é a luta pela igualdade de gêneros (homens e mulheres), e consequentemente, pela participação da mulher na sociedade, estando ela no lugar onde desejar.


Mais recentemente, com a evolução acerca do tema Feminismo, surge outro termo que, pra mim, é o principal pilar capaz de sustentar o Feminismo: a Sororidade. Do ponto de vista do feminismo, a sororidade consiste no não julgamento prévio entre as próprias mulheres que, muitas vezes, ajudam a fortalecer estereótipos preconceituosos criados pela sociedade. Irmandade mesmo, sabe?! De fato.


Por que começar a história de uma professora falando sobre Feminismo e Sororidade? Porque Vânia foi uma das primeiras feministas que conheci na prática, mesmo ela não tendo a MENOR consciência disso e nem levantar nenhuma bandeira a respeito.


Ela era professora de álgebra (parte da matemática elementar que generaliza a aritmética, introduzindo variáveis que representam os números e simplificando e resolvendo, por meio de fórmulas, problemas nos quais as grandezas são representadas por símbolos), ou seja, uma matéria não muito interessante para a maioria da molecada que estava ali.


Mas Vânia fazia a aula de álgebra ser leve. Ela tinha uma metodologia de ensino incrivelmente simples. De maneira descontraída conseguia fazer as expressões matemáticas NÃO parecerem tão assustadoras. Suas aulas eram previamente bem organizadas - planejadas mesmo. Seguiam sempre o mesmo fluxo: Parte teórica, parte prática, exercícios e lição de casa. Seguindo à risca o cronograma previsto no livro. Tudo como deve ser. E ela conseguia criar um ecossistema de proximidade com a turma que acabava desmitificando as próprias equações, que pareciam tão intangíveis.


Até aí tudo ia muito bem. Mas eu esqueci de contar que Vânia usava calças jeans justas e de grife e seus cabelos eram longos e avoados. Estávamos no terceiro colegial, entre 17 e 18 anos, e Vânia devia ter uns 26. Era jovem e bonita. Já tinha sido casada e tinha uma filha pequena. Era separada, mas tinha um namorado. No recreio estava sempre rodeada por todos e algumas vezes frequentava as festas da turma nos finais de semana. Era alvo de paixões não correspondidas. Paixão de alunos e quiçá de outros professores.


Vânia era bem resolvida, era à frente de seu tempo. Não ligava para os boatos mentirosos de que ela dava bola para os alunos. Não ligava para o que falavam das calças justas que usava, dos lugares que frequentava. Afinal, de fato, ela estava apenas cumprindo – e muito bem – seu papel de professora de álgebra. E ali com seu feminismo não consciente ela mostrava que ela podia ser o que ela quisesse, independente da aparência e dos padrões de uma professora recatada. Mãe, professora, divorciada, amiga dos alunos e o que mais fosse e quisesse ser, essa era Vânia.


Mas, como eu disse, ainda não se falava sobre Sororidade, sobre liberdade de fato. E Vânia era muito julgada. Principalmente por outras mulheres. Mães descabeladas batiam panelas para tirar Vânia da escola, pois ela não parecia ter uma conduta adequada ao que imaginavam que deveria ser uma professora. Se procurar nos arquivos do Jornal Nacional há de haver o primeiro registro de panelaço, que foi ali, contra Vânia. Certo dia chegaram a fazer passeata na porta da escola com cartazes escritos com canetas coloridas. Ainda não existiam os grupos de Whastapp das Mães, ou seja, as reivindicações se davam na porta da escola mesmo. Elas se organizavam, pagavam caixinha para o tio da pipoca que ficava na esquina de baixo para avisar quando a diretora estivesse chegando da hora do almoço e lá iam todas aborda-la com argumentos e fatos contra a coitada da Vânia.


Outras professoras cochichavam pelos corredores e trocavam bilhetes durante a reunião dos professores comentando sobre a cor do batom e a tatuagem de golfinho que ela tinha na canela – um absurdo, óbvio.


Pelo que sei, no ano seguinte Vânia perdeu seu emprego naquela escola ninguém mais se apaixonou pelas equações possíveis determinadas.



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